Como acontece com muitos atletas, a paixão da Kaillany Valentim pelo esporte começou por conta de uma recomendação médica. Aos 4 anos, ela teve que passar por uma cirurgia de retirada de amídalas e adenóide, e uma atividade física foi indicada por seu médico para uma vida mais saudável. Inicialmente, sua mãe achou que o ballet seria uma boa ideia, mas o choro da filha em todas as aulas mostrava que talvez essa não fosse a modalidade mais prazerosa.
Na época, sua mãe ajudava a cuidar de duas meninas que faziam judô, e levava Kaillany para acompanhar os treinos. Só de ficar assistindo, ela tomou gosto pela coisa, e vendo seu interesse, o sensei a convidou a participar também. Com apenas um mês de prática, ela foi para seu primeiro torneio, e venceu. Detalhe: o título veio na categoria masculina, porque não havia meninas da sua idade competindo, só meninos.
A partir de então, ela passou a dedicar sua vida ao judô, obtendo títulos cada vez mais grandiosos. Aos 15 anos, já foi campeã pan-americana, brasileira e paulista 5 vezes. Sua conquista mais recente, e talvez uma das mais importantes até agora, foi o 3° lugar na Seletiva Nacional de Judô Sub-18 (novembro de 2019), na categoria meio-médio, que garantiu sua vaga no Meeting Nacional (que reúne os 8 melhores atletas de cada categoria) e no Circuito Europeu em 2020.
A seguir, ela conta um pouco da sua história e de como o esporte transformou a sua vida.
Vontade de vencer
O momento mais marcante na minha vida de atleta foi quando venci o Campeonato Brasileiro Sub-13, em 2016. Vendi bolos de pote, brigadeiros e lanches naturais na rua todos os dias para poder pagar minha viagem. Andava de agasalho para perder peso e não comia nenhum pedaço.
No início daquele ano, quebrei o punho e perdi as principais competições, como a Copa São Paulo e o Regional – etapas que me levariam ao Campeonato Paulista. Precisei ficar dois meses afastada, entre gesso e fisioterapia – nunca havia sentido tanta dor. Graças à ajuda do sensei Rogério Sampaio (campeão olímpico em Barcelona-1992), participei das duas etapas do Inter-Regional, e me consagrei campeã mesmo com o braço enfaixado e praticamente lutando com uma mão só. Depois disso, fui campeã do Paulista e do Brasileiro naquele mesmo ano.
Superação total
Estava tão nervosa na minha primeira luta no Campeonato Brasileiro de 2016, com tanta adrenalina, que derrotei minha adversária em 3 segundos de luta, mas bati a cabeça no chão. Quando saí do tatame, havia perdido a memória – não sabia meu nome, quem era minha mãe, onde eu morava e o que eu estava fazendo lá.
O médico do campeonato me atendeu, e quando minha mãe me mostrou o vídeo foi que eu lembrei um pouco e voltei a lutar. Fui campeã e até hoje não lembro da minha trajetória nesse campeonato, somente pelos vídeos me recordo de alguns momentos. Mas eu lembro que chorei e disse para minha mãe que tudo que tínhamos feito havia valido a pena.
Com o título, passei para o Pan-Americano, no qual consegui participar graças ao dinheiro que minha mãe arrecadou fazendo uma mobilização pelo Facebook, porque precisávamos de R$ 17 mil em 2 semanas para viajar para a República Dominicana.
Ajuda que vem de todos os lugares
Em 2016 estava classificada para o Campeonato Brasileiro, e precisava de dinheiro para competir, pois meu pai estava desempregado. Eu e meus pais juntamos todas minhas medalhas, pasta com meus diplomas, fotos e reportagens de competição, e corremos atrás de ajuda. Quando paramos no Santos Futebol Clube para pedir uma blusa para rifar, uma pessoa ouviu nossa história e, no mesmo dia, comprou minha passagem, me deu estadia e a alimentação para a competição – até hoje me ajuda.
Conto também com o apoio de um nutrólogo em São Paulo, que cuida da minha alimentação e da minha saúde – com isso, meu rendimento melhora a cada dia nos treinos e competições. Por causa do esporte, sempre tive bolsa – hoje estudo em uma das melhores escolas da Baixada Santista e faço inglês também.
Crescimento humano
O esporte me ensinou a ser mais forte, responsável e educada. Sou muito focada nos treinos, e prezo muito por isso. Como meu sensei diz: não é porque você treina que será campeã olímpica, mas antes de tudo será uma cidadã de respeito. Eu aprendi muita coisa com o judô e sei que tenho muito ainda a aprender para me tornar uma grande judoca!
Meu maior sonho é um dia chegar ao lugar mais alto do pódio nas Olimpíadas! Depois disso, gostaria de abrir uma academia de judô para ajudar outras crianças a realizar seus sonhos!
Rotina dura
Levanto diariamente muito cedo, às 5h20, para meu primeiro treino físico, vou à escola, treino jiu-jitsu e por último judô – todos esses lugares ficam muito distantes entre si. Volto para casa quase às 23h, para estar de pé novamente no outro dia. Não reclamo, pois sei o quanto é importante para meu futuro, e eu amo praticar judô.
Recompensas inestimáveis
Sem o judô, não teria conhecido lugares totalmente diferentes, que nunca imaginava poder visitar, não teria conhecido amigos que hoje considero parte da minha família, com os quais sempre posso contar. E ainda há os momentos especiais que vivi com minha mãe: nossa primeira viagem de avião, a primeira vez em que ficamos hospedadas em um hotel, nossa primeira viagem internacional.
Valores que vêm de casa
Meus pais também foram atletas, só não se tornaram profissionais. Minha mãe fazia atletismo, e chegou a ser campeã brasileira, mas quando quebrou o tornozelo, abandonou a carreira; meu pai era jogador de futebol. Eles sempre me apoiaram em relação ao esporte, e dizem que o judô tem proporcionado algo que eles não poderiam dar para mim. Eles fazem de tudo por mim e reforçam a importância da honestidade e de que não devemos passar por cima de ninguém para conquistar nossos objetivos. Sei que, se eu plantar o bem, o bem eu irei colher.